STF inicia julgamento sobre cobrança do Difal em 2022
Supremo debate constitucionalidade do diferencial de alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e possibilidade de modulação para contribuintes.
Fachada do STF (foto Fabio Rodrigues-Pozzebom, ABr)
No último dia 1º de agosto, teve início a sessão virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgar o Recurso Extraordinário 1.287.019 (Tema 1.266 da Repercussão Geral), que discute a constitucionalidade da cobrança do diferencial de alíquota (DIFAL) do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no ano de 2022, devido à publicação tardia da Lei Complementar nº 190/2022, ocorrida apenas em 4 de janeiro daquele ano. Até o momento, Alexandre de Moraes votou pela manutenção da cobrança, Flávio Dino propôs modulação dos efeitos e Luís Roberto Barroso suspendeu o julgamento com pedido de vista.
O que está em jogo
O STF deverá definir se a cobrança do DIFAL, após a publicação de norma geral regulamentadora (LC 190/22), está sujeita à anterioridade nonagesimal (90 dias) e/ou anual (exercício seguinte), nos termos do art. 150, III, “b” e “c”, da Constituição Federal (CF).
Segundo os contribuintes, por se tratar de condição de exigibilidade do tributo, a lei complementar publicada apenas em janeiro de 2022 somente poderia produzir efeitos a partir de 2023, sob pena de violação direta aos princípios da legalidade e da anterioridade tributária, que integram o núcleo duro das garantias constitucionais do contribuinte.
O andamento do julgamento
O voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, manteve o entendimento já externado nas ADIs nº 7066, 7070 e 7078, reafirmando a possibilidade de cobrança do DIFAL a partir de 4 de abril de 2022, com base no art. 3º da LC nº 190/22.
De acordo com o relator, a Lei Complementar nº 190/2022 não alterou a hipótese de incidência nem a base de cálculo do tributo, limitando-se a tratar da destinação dos valores arrecadados. Na avaliação dele, a norma teve por objetivo padronizar o cumprimento das obrigações acessórias, sem qualquer inovação material que configurasse instituição ou aumento de tributo. Por essa razão, entendeu que não se aplicam as anterioridades anual e nonagesimal, uma vez que a técnica legislativa empregada não se enquadra como criação nem majoração tributária, o que permite que a lei produza efeitos ainda no exercício de sua publicação.
Moraes foi acompanhado pelo ministro Nunes Marques. Na sequência, o ministro Flávio Dino, embora também tenha reconhecido a possibilidade de cobrança em 2022, inovou ao propor a modulação de efeitos da decisão: para ele, os contribuintes que ajuizaram ação judicial até 29 de novembro de 2023, data do julgamento da ADI 7066, e não recolheram o tributo no período, não devem ser obrigados a fazê-lo retroativamente.
Esse entendimento foi acompanhado pelos ministros André Mendonça e Luiz Fux, que endossaram a proposta de modulação em benefício dos contribuintes que adotaram uma postura preventiva e litigiosa em tempo oportuno. Já o ministro Edson Fachin divergiu integralmente do relator, reafirmando o voto proferido na ADI 7066 no sentido da necessidade de observância da anterioridade anual e nonagesimal, reconhecendo, portanto, a inconstitucionalidade da cobrança do DIFAL em 2022. Caso vencido, contudo, aderiu à proposta de modulação apresentada por Dino, como medida de justiça para contribuintes que não recolheram e já haviam levado a controvérsia ao Judiciário
Quando tudo parecia caminhar para a definição de uma controvérsia que se arrasta há quase quatro anos, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso.
Mesmo após o pedido de vista e a consequente suspensão do julgamento, o ministro Gilmar Mendes antecipou seu voto, acompanhando o entendimento de Flávio Dino quanto à modulação de efeitos. Ao reforçar a necessidade de proteger os contribuintes que ajuizaram ações até 29 de novembro de 2023 e não efetuaram o pagamento do tributo, Gilmar demonstrou alinhamento com uma solução intermediária que busca conciliar segurança jurídica com responsabilidade fiscal.
A crítica ao pedido de vista
O pedido de vista de Barroso representa mais um episódio de morosidade processual incompatível com um Judiciário eficiente e comprometido com a segurança jurídica. Diante de uma controvérsia madura, com votos extensamente fundamentados e discussão já travada em outras ações, não há justificativa razoável para a postergação do desfecho. A paralisação frustra milhares de empresas que aguardam com urgência uma definição clara sobre a validade da cobrança em 2022 – muitas das quais recolheram o tributo sob protesto, realizaram depósitos judiciais ou ainda acumulam passivos fiscais incertos.
O pano de fundo
A tese encampada por Moraes, de que a LC 190/22 não institui nem majora tributo, ignora alterações substanciais na base de cálculo e na vedação à compensação de créditos, aspectos que produzem aumento real da carga tributária. Tais modificações, como ressaltado nos embargos de declaração apresentados na ADI 7066 por diversos amici curiae, afastam qualquer possibilidade de afastamento da anterioridade. O receio é que o STF mais uma vez valide uma exigência manifestamente inconstitucional, movido por pressões arrecadatórias dos entes subnacionais, em claro desvio da sua função de guarda da Constituição.
No entanto, diante dos votos já lançados no referido julgamento, aguarda-se, com fundada expectativa, que o Supremo Tribunal Federal profira um desfecho que prestigie os princípios constitucionais da segurança jurídica, da legalidade e da proteção da confiança legítima, assegurando tratamento diferenciado aos contribuintes que, pautados pela boa-fé e por precedentes firmados pela própria Corte, adotaram medidas judiciais tempestivas visando resguardar seus direitos.
É imperioso que se reconheça a conduta diligente desses agentes econômicos e se reafirme, no âmbito tributário, a previsibilidade e estabilidade necessárias à conformação de um ambiente institucional seguro e coerente com os valores do Estado Democrático de Direito.
Julia Leite é sócia fundadora e advogada tributarista na Leite Alencar Sociedade de Advogados e Gustavo Basaglia é advogado tributarista na Leite Alencar Sociedade de Advogados
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