STJ redefine prazo prescricional para compensação de créditos tributários
O Superior Tribunal de Justiça recentemente alterou sua posição sobre o prazo para a compensação de créditos tributários reconhecidos judicialmente. Agora, os contribuintes têm até cinco anos, contados a partir do trânsito em julgado da decisão, para utilizar integralmente os créditos tributários, sob pena de prescrição.
Essa mudança impacta diretamente a sistemática de compensação tributária, que antes não possuía limite temporal para o esgotamento dos créditos. Ou seja, os créditos poderiam ser utilizados sem qualquer restrição de prazo.
O novo entendimento foi fixado em 18 de março de 2025, no julgamento que envolveu a Usina Termelétrica Termomacaé, subsidiária da Petrobrás, afetando assim todos os contribuintes que utilizam ações judiciais para pleitear a restituição de tributos pagos indevidamente.
A compensação tributária é uma ferramenta fundamental no Direito Tributário brasileiro. Regulamentada pela Lei nº 9.430/96, que permite os contribuintes de utilizar créditos reconhecidos judicialmente, oriundos de tributos pagos indevidamente ou a maior, para quitar débitos relativos a tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB).
Previsto no artigo 74 da Lei nº 9.430/96, a compensação de crédito tributário funciona como uma forma de “troca”: um crédito reconhecido judicialmente quita um débito do contribuinte com a União, que, em questões tributárias, é representada pela Fazenda Nacional.
Para que o processo de compensação seja válido, alguns requisitos devem ser atendidos: (1) os créditos reconhecidos judicialmente somente poderão ser compensados após o trânsito em julgado dessa decisão; (2) o contribuinte deve formalizar o pedido de compensação por meio do sistema eletrônico da Receita Federal, ou seja, o famigerado processo de PER/DComp; e (3) esse pedido será devidamente analisado pela Receita Federal, que verifica a regularidade dos créditos e dos débitos compensados.
Nesse contexto, a 2ª Turma do STJ, no julgamento Recurso Especial nº 2.178.201/RJ, interposto pela Fazenda Nacional, revisou sua jurisprudência sobre o prazo de compensação de créditos originados de decisões judiciais, estabelecendo agora uma limitação temporal de cinco anos para a utilização desses créditos.
Para a Receita Federal, o contribuinte pode utilizar o crédito reconhecido em decisão judicial somente no prazo de cinco anos, contados a partir do trânsito em julgado, e não há interrupção do prazo prescricional após a habilitação do crédito. Esse entendimento foi formalizado no Parecer Normativo Cosit 11/2014, na Solução de Consulta Cosit 382/2014 e na Solução de Consulta Cosit 239/2019, além de estar previsto nas Instruções Normativas que regulamentam o procedimento de compensação, como o artigo 106 da Instrução Normativa RFB nº 2055/21.
O processo
No caso em comento, originado por mandado de segurança impetrado pela Usina Termelétrica Termomacaé contra a Fazenda Nacional, o contribuinte buscava afastar a aplicação do artigo 82-A da Instrução Normativa RFB nº 1.300/2012, vigente à época dos fatos, e do Parecer Normativo Cosit nº 11/2014.
A empresa obteve uma decisão favorável em 2009, com base no Tema 69 do Supremo Tribunal Federa l(STF), que estabeleceu que o ICMS não deve integrar a base de cálculo do PIS e da Cofins. No entanto, a habilitação dos créditos foi solicitada apenas em 2013, e a Receita Federal deferiu o pedido somente em 2021, autorizando a compensação até setembro de 2022.
Em síntese, o contribuinte defendeu que “(i) os atos normativos da Secretaria da Receita Federal são normas secundárias impossibilitadas de inovar o mundo jurídico; (ii) não há previsão legal fixando tempo máximo para a finalização da compensação de indébitos tributários nos casos de decisão judicial transitada em julgado; (iii) prescrição de indébito tributário é matéria reservada à lei complementar, nos termos do artigo 146, III, b, da CF; (iv) não é possível exigir planejamento tributário para garantir o aproveitamento de todo o indébito no prazo de cinco anos a contar do trânsito em julgado” [1].
Em primeira instância, o mandado de segurança foi julgado procedente em favor do contribuinte, essa decisão foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), com base no entendimento de que a compensação tributária é plenamente possível até o esgotamento integral do crédito, desde que o crédito tenha sido habilitado dentro do prazo de cinco anos.
Em face desse acórdão, a Fazenda Nacional interpôs recurso especial, argumentando que o prazo prescricional de cinco anos para a compensação não pode ser interrompido, pois não há previsão legal que autorize tal interrupção. A Fazenda também defendeu que a compensação não pode ser considerada imprescritível.
Entendimento do STJ
No julgamento do Recurso Especial nº 2.178.201/RJ, o ministro-relator Francisco Falcão fundamentou seu voto no artigo 168 do Código Tributário Nacional (CTN), que estabelece o prazo de cinco anos para pleitear a restituição de tributos. O relator também mencionou o artigo 1º do Decreto nº 20.910/1932, que regula a prescrição das ações contra a Fazenda Pública.
Segundo o Ministro Falcão, o contribuinte “deve exercer o seu direito de pedir a devolução do indébito mediante a compensação tributária no prazo de 5 anos, a contar do trânsito em julgado da decisão judicial”.
O ministro-relator argumentou que permitir o uso indefinido dos créditos tributários transformaria a compensação em uma espécie de aplicação financeira. O que incentivaria os contribuintes a adiar o aproveitamento dos créditos, buscando a correção dos valores pela taxa Selic, que não é tributada pelo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e nem pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Nesse sentido, a corte destacou que “a imprescritibilidade decorrente do entendimento prevalecente nesta Segunda Turma incentiva o contribuinte a retardar ao máximo o aproveitamento do indébito, corrigido pela SELIC, cuja parcela não estará sujeita à tributação. Isso sem contar a privação de previsibilidade sofrida pela Fazenda Pública, que não saberá, ao certo, quando o contribuinte aproveitará o crédito”.
Assim sendo, a 2ª Turma concluiu que todas as declarações de compensação (PER/DCcomp) devem ser enviadas dentro do prazo de cinco anos, contados a partir do trânsito em julgado da sentença, permitindo-se a suspensão desse prazo entre o pedido de habilitação e seu deferimento, conforme previsto no artigo 82-A da Instrução Normativa nº 1.300/2012.
Como já mencionado, outro aspecto relevante do acórdão foi a negação da imprescritibilidade do crédito. A turma entendeu que, ao estabelecer o pedido de homologação do crédito como o marco para a contagem do prazo prescricional, o direito ao aproveitamento do crédito se tornaria, de fato, imprescritível, pois o contribuinte poderia usá-lo conforme sua conveniência, sem qualquer limite temporal.
Essa decisão marca uma mudança no entendimento da 2ª Turma, que, anteriormente, considerava que o prazo de prescrição de cinco anos só se aplicava até o início do procedimento de compensação, sem limitar o tempo para sua conclusão [2].
O ministro-relator observou que, recentemente, a 1ª Turma analisou a questão [3] e adotou uma interpretação diferente, afirmando que a compensação deve ser realizada integralmente dentro do prazo de cinco anos. O relator se baseou em dois acórdãos da 1ª Turma [4] para propor o overruling, ou seja, a alteração do entendimento anteriormente seguido pela 2ª Turma. O fundamento dessa mudança foi a constatação de que o entendimento anterior tornava o direito à repetição do indébito tributário imprescritível.
Face a este acórdão, o contribuinte opôs embargos de declaração, os quais ainda aguardam julgamento. Os autos estão conclusos para decisão desde 18 de junho de 2025.
Análise da decisão
Diante do exposto, torna-se necessária a análise do novo entendimento proferido pela 2ª Turma do STJ.
De início, observa-se que no AgInt no REsp 1.729.860/SC, citado pela 2ª Turma em sua decisão recente, a questão central foi determinar se o pedido de habilitação suspende ou interrompe a prescrição. Vale ressaltar que o contribuinte apresentou o primeiro pedido de compensação após o prazo de cinco anos do trânsito em julgado, o que, segundo o entendimento anterior da Turma, resultaria na prescrição do direito.
Além disso, destaca-se que o julgamento não abordou a questão sobre a necessidade de exaurir o crédito reconhecido judicialmente dentro do prazo de cinco anos.
Quanto às demais decisões da 1ª Turma (AgInt no REsp 2.164.744/SP e AgInt nos EDcl no REsp 2.105.426/SC), citadas pela 2ª Turma, estas interpretam de forma equivocada e contrária ao precedente anterior (AgInt no REsp 1.729.860/SC).
Como consequência, essas decisões recentes restringiram o direito do contribuinte de transmitir a PER/DComp após o prazo de cinco anos, mesmo que a primeira declaração tenha sido submetida dentro desse período.
No entanto, o entendimento das duas Turmas do STJ ainda não pode ser considerado definitivo, pois há a possibilidade de manifestação da 1ª Seção do Tribunal, inclusive por meio de recurso repetitivo. Mesmo assim, os julgados citados, aliados à nova orientação da 2ª Turma, devem trazer maior clareza sobre a questão, ainda que isso ocorra por meio de precedentes não vinculantes.
É importante observar que a análise da questão nos julgados mencionados, incluindo o Recurso Especial nº 2.178.201/RJ pela 2ª Turma, baseia-se na legislação anterior, que regulamentava a compensação tributária, incluindo as manifestações infralegais emitidas pelo Fisco. Essas normas estabeleciam que a compensação de créditos tributários oriundos de decisões judiciais só poderia ocorrer se realizada no prazo de cinco anos após o trânsito em julgado da decisão, como, por exemplo, o próprio artigo 82-A da Instrução Normativa RFB nº 1.300/2012.
Entretanto, com a promulgação da Medida Provisória nº 1.202/2023, convertida na Lei nº 14.873/2024, a legislação sobre a compensação de tributos federais foi alterada. A nova norma inseriu o artigo 74-A na Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, impondo limites mensais para a compensação dos créditos dos contribuintes, os quais deverão ser definidos por ato do Ministro da Fazenda.
Com essa alteração legislativa, é possível argumentar que a interpretação anterior, que exigia o esgotamento do crédito tributário judicialmente reconhecido dentro de cinco anos, perdeu a validade. O § 2º do artigo 74-A estabelece que a primeira DCOMP deve ser transmitida pelo contribuinte dentro de até cinco anos do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial.
É notório que o objetivo do legislador era que o contribuinte iniciasse a compensação dentro do prazo de cinco anos, mas não que esgotasse o crédito dentro desse período, o que está em consonância com a jurisprudência do STJ até então adotada.
A interpretação que exige o esgotamento do crédito dentro desse prazo vai contra a intenção legislativa, que busca garantir ao contribuinte a oportunidade de utilizar os créditos tributários de forma mais flexível, sem a necessidade de exaurir o saldo em um intervalo restrito.
Adicionalmente, a própria Receita Federal, por meio da seção de “Perguntas e Respostas” [5] sobre o tema, reconheceu que, após a primeira declaração de compensação, que deve ser feita dentro dos cinco anos, as demais compensações podem ocorrer mesmo após o transcurso desse prazo.
Nesse sentido, a nova interpretação da 2ª Turma do STJ sobre o prazo prescricional para compensação tributária deve ser tratada com cautela, pois se fundamenta na legislação anterior à Medida Provisória nº 1.202/2023, convertida na Lei nº 14.873/2024. Com essa mudança, é certo que a questão será novamente levada ao âmbito judicial, podendo resultar no retorno à interpretação de que o prazo de cinco anos se aplica apenas ao início da compensação, e não ao esgotamento total do crédito.
O que se observa é que a recente alteração na jurisprudência do STJ traz mudanças significativas para os contribuintes. Por anos, existiu uma interpretação estável que permitia a previsão do exercício do direito à compensação tributária, oferecendo um ambiente de maior segurança jurídica, essencial para o planejamento fiscal e empresarial. Essa previsibilidade era crucial para a conformidade tributária e para a tomada de decisões no âmbito empresarial.
A nova posição do STJ, por sua vez, altera os prazos para a compensação de tributos pagos indevidamente, impactando diretamente os contribuintes que, baseados na jurisprudência anterior, realizaram seus planejamentos fiscais. Essa mudança, embora compreensível no contexto de evolução da jurisprudência, pode gerar insegurança jurídica para aqueles que confiaram nas interpretações consolidadas.
Além disso, a possibilidade de o Poder Judiciário alterar seus entendimentos sem uma modulação adequada gera incertezas. Mudanças súbitas muitas vezes geram efeitos práticos negativos, especialmente para contribuintes que já haviam estruturado suas ações com base na orientação anterior.
A fixação de um prazo rígido para a compensação, sem considerar as diversas circunstâncias enfrentadas pelos contribuintes, pode afetar aqueles que lidam com créditos acumulados ao longo de um processo judicial, prejudicando-os sem levar em conta os aspectos específicos de cada caso.
Além disso, a argumentação de que a imposição de uma limitação temporal é essencial para garantir a previsibilidade fiscal não se sustenta. A previsibilidade fiscal pode ser alcançada sem comprometer a autonomia do contribuinte, que, dentro dos limites legais, deve ser capaz de gerenciar seus créditos tributários de forma estratégica, conforme suas necessidades e a realidade econômica de sua empresa.
Importa ressaltar que, o que se encontra em debate são valores pertencentes ao contribuinte, que foram indevidamente apropriados pelo poder público e cuja comprovação do indébito demandou anos de litígios no Poder Judiciário.
Por fim, o princípio da segurança jurídica exige uma abordagem cautelosa, especialmente em questões tributárias, onde a confiança no sistema é fundamental para garantir a conformidade fiscal e assegurar o equilíbrio nas relações entre Fisco e contribuinte.
[1] REsp nº 2.178.201/RJ, de relatoria do ministro Franciso Falcão, julgado em 18.3.2025.
[2] REsp n. 1.480.602/PR, relator ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 16/10/2014; REsp n. 1.469.954/PR, relator ministro Og Fernandes, 2ª Turma, julgado em 18/08/2015, DJe de 28/8/2015; AgRg no REsp n. 1.469.926/PR, relator ministro Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 7/4/2015, DJe de 13/4/2015
[3] AgInt no REsp 1.729.860/SC, relator ministro Paulo Sérgio Domingues, 1ª Turma, julgado em 23/4/2024, DJe de 29/4/2024
[4] AgInt no REsp 2.164.744/SP, relatora ministra Regina Helena Costa, 1ª Turma, julgado em 10/02/2025, DJEN de 14/2/2025; e AgInt nos EDcl no REsp 2.105.426/SC, relator ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, julgado em 10/2/2025, DJEN de 14/2/2025.
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